Do Brasil até a África, o potencial transformador da filantropia comunitária e de justiça social
19 Dec 2022
Este blog apareceu originalmente no site da Rede Comuá.
Entre os dias 05 e 10 de Novembro, a Rede Comuá marcou presença em Entebbe, Uganda, para participar do encontro de organizações parceiras do Global Fund for Community Foundations, bem como da conferência da African Philanthropy Network.
Depois de três aviões, duas conexões e mais de 20 horas de viagem, cheguei a Entebbe, Uganda, com a missão de representar a Rede Comuá em duas atividades: o encontro de parceiros do GFCF, a única organização focada exclusivamente no crescimento da filantropia comunitária globalmente como um pilar central do desenvolvimento liderado por pessoas, e na conferência da African Philanthropy Network (antigamente conhecida como African Grantmakers’ Network), a primeira após o início da pandemia de COVID-19, cujo tema este ano foi “Impulsionando Mudanças”, em tradução livre (Driving Change, em inglês). Ambas são também organizações parceiras no Programa Doar para Transformar.
Cheguei no meio da madrugada sem ainda ter a dimensão do nosso grande anfitrião: o Lago Vitória, um dos Grandes Lagos Africanos e onde, segundo as lendas, espíritos de ancestrais habitam. Tornou-se, assim, ainda mais simbólico participar de duas atividades que, de alguma maneira, celebraram e honraram jeitos de fazer filantropia que nos remontam a práticas ancestrais de engajamento e desenvolvimento comunitário – tudo isso às margens do Nnalubaale, como o lago é chamado em Luganda, um dos idiomas falados em Uganda.
Ao longo da semana em que estive em Entebbe, tive a oportunidade única de conhecer organizações e lideranças, dos mais diversos cantos do continente africano, comprometidas com um fazer filantropia liderado pelas comunidades e que reconhece nos mais diversos territórios onde atuam uma série de ativos, recursos e saberes que são mobilizados em prol de uma verdadeira transformação social e desenvolvimento comunitário – uma premissa básica da filantropia comunitária.
Para membros da Rede Comuá, a filantropia comunitária é indissociável de uma filantropia para a justiça social, isto é, comprometida com a garantia e acesso a direitos, em especial por minorias políticas. Em Entebbe, pude interagir com representantes de outras organizações comprometidas com a mesma missão, adaptando-a às necessidades e realidades de cada contexto. Compartilhamos muitos dos desafios, desde redução do espaço cívico até contextos de ameaças a ativistas e movimentos da sociedade civil. Mas, ao mesmo tempo, somos guiados por conjuntos similares de princípios e valores que, a partir de suas práticas, vivências e saberes locais, estão rediscutindo as lógicas de poder que constituem as bases do sistema filantrópico e do desenvolvimento internacional.
Neste sentido, voltei de Uganda ainda mais certo de que a colaboração entre organizações, lideranças, movimentos e ativistas do Sul Global é essencial para observarmos as mudanças que queremos no ecossistema filantrópico – seja no Brasil, seja em outras partes do mundo. Ao mobilizar, por exemplo, iniciativas conjuntas de incidência orientadas a doadores e tomadores de decisão, botamos em prática princípios de movimentos como #ShiftThePower (no Brasil, traduzimos para #PoderParaAsComunidades e seguimos construindo uma filantropia que de fato queremos.
Queria, assim, finalizar este texto apresentando algumas organizações que tive o prazer de conhecer ao longo dessa experiência única em Uganda. Assim como foi para mim, espero que elas sejam uma fonte de inspiração para você, pessoa leitora, na luta por uma filantropia que seja verdadeiramente transformadora.
- East African Philanthropy Network (EAPN) – Reunindo mais de 60 organizações do Quênia, Ruanda, Tanzânia e Uganda, a rede tem como missão promover a filantropia e a cultura de doação na África Oriental.
- Kenya Community Development Foundation (KCDF) – Primeira fundação dedicada ao desenvolvimento liderado por e para comunidades na África Oriental, KCDF atua por um desenvolvimento comunitário atento à justiça social a partir de uma série de estratégias, inclusive mobilização de recursos e incidência.
- NEAR (Network for Empowered Aid Response) – Composta por organizações locais e da sociedade civil do Sul Global, a rede tem como objetivo promover um sistema de ajuda humanitária e desenvolvimento internacional mais justo e equitativo. Possuem também um fundo de resposta a catástrofes humanitárias.
- Resources Oriented Development Initiatives (RODI) – Atuando com comunidades e pessoas egressas do sistema prisional, RODI atua em todo o Quênia com iniciativas voltadas, em especial, para acesso à justiça, inclusão social e fortalecimento de capacidades.
- STAR Ghana Foundation – A fundação, com base em Accra, Gana, tem como objetivo fortalecer a sociedade civil ganesa em prol de valores como a democracia e inclusão. Também parceiros no programa Doar Para Transformar (Giving for Change, em inglês), você pode conferir neste blog (em português) o trabalho deles com mulheres acusadas de bruxaria no norte do país africano.
- Twerwaneho Listeners’ Club (TLC) – Nascida de um programa de rádio local, a organização reúne ativistas de direitos humanos, atuando pela proteção e segurança destes em Uganda.
- UHAI EASHRI (UHAI – The East Africa Sexual Health and Rights Initiative) – Primeiro fundo ativista, feminista e participativo por e para minorias sexuais e de gênero e trabalhadores/as sexuais. Atua em 7 países africanos.
Por: Jonathas Azevedo, Assessor de Projetos da Rede Comuá